A ligação de Tróia a Sagres por asfalto com bicicleta de BTT, começou à 19 anos atrás quando o António Malvar a realizou pela primeira vez. A este propósito disse um dia: "Quando fiz 40 anos, o que aqui entre nós, não foi assim há tanto tempo, estabeleci para mim próprio um teste anual para contrariar a sensação de velho que minhas filhas já adultas me faziam sentir." A.M..
Este passeio foge a todas as regras de qualquer organização, começando logo por não ser uma organização, mas mesmo assim atraiu este ano de 2008 pelo menos 500 ciclistas que de uma forma mais ou menos organizada e mais organizadamente do que se duma organização se tratasse lá se desafiaram para ir até Sagres.
Eu já sabia da realização deste passeio à alguns anos e em 2007 estive quase para ir, mas não deu. Ficou agendado para 2008 e seguintes. E assim foi. Sem nenhum dos companheiros habituais de pedaladas, que por diversas razões não se puderam apresentar: exames, compromissos familiares ou sociais, etc.
Parti às 5:30 de Santarém para apanhar o Ferry às 6:45 em Setúbal. A chuva pelo caminho já se fazia sentir e como a tendência era de agravamento, interessava-me partir o mais cedo possível. De Lisboa para Setúbal fui ultimando o equipamento, e quando cheguei ao cais de Setúbal foi só montar a BIANCHI que até o capacete já ia colocado. A Elsa perguntou-me uma última vez “Não parou de chover desde Santarém, queres mesmo ir ?” - SIM CLARO!. - Um beijo e tem cuidado. - Boa viagem de regresso para ti para Santarém, eu depois telefono.
Entrei para o Ferry à hora prevista. Estava pela minha frente uma aventura de 200 km, sem assistência. Mas não estava só, eram já umas dezenas os que fizeram a travessia a essa hora para Tróia, ainda de noite.
Meti conversa com um grupo que estava por ali já equipados. Eram de Setúbal, alguns já batidos, outros noviços, de BTT, ou Looks estradistas, GPSs, pouco equipamento, de tudo. Afinal o típico neste passeio. Conferidos os planos para 7 horas de percurso, combinada a partida, atraca o ferry, reúne-se o grupo, visto o impermeável porque já estava a chover e parte-se.
Nesta altura a confusão era elevada. Ainda lusco fusco, chuva miudinha eu sem conhecer o caminho nem quem ía seguir. Mas lá fui par a par com um de calças brancas e sem capacete. Fazem-se os primeiros kms, e o ritmo era elevado. Talvez fosse do frio, falta de aquecimento ... dei por mim a pelar a 30-35 kms/h, com o coração a 175-180, e muitos grupos a serem ultrapassados, também não era para menos. Dos bikers de Setúbal já só o de calças brancas e eu. Quase com uma hora de passeio resolvi abrandar um pouco, tomei uns sais e deixei-me integrar num grupo de 4 companheiros de Leiria que já tinha ultrapassado.
Entrei no grupo, coloquei-me inicialmente numa segunda linha e fui metendo conversa. O ritmo era forte, mas as 170-173 ppm, já me davam mais garantias de “sucesso futuro”. Como estava o dia, com chuva e vento e eu sem assistência, não podia “adormecer” no inicio porque poderia-se tornar num calvário, como aconteceu com muitos outros. À mínima distracção lá ia embora o Joaquim, que manteve sempre um ritmo fabuloso.
Cedo decidi que não me iria afastar destes companheiros, assim tivesse pernas para tal. Lá fomos ultrapassando uns e outros, os que aguentavam ainda ficavam na roda. Na via rápida para Sines estava eu, o Joaquim e o Carlos na frente de um pelotão com mais de trinta ciclistas. Parecia um enxame dizia outro. Muitas vezes me vieram à memória as imagens televisivas de provas ciclistas com os atletas e respectivos carros de apoio. Tal e qual aqui. Fantástico!!
Durante muitos momentos dei tudo o que tinha, e nos restantes fui a 95%-98%. Isto em termos de esforço percebido porque o meu cardiofrequencímetro após 2h de percurso parou (a água que eu tinha vestida deve ter feito uma barreirazita às radiações ...) .. E eu a pensar, “nunca me vi numa destas, sem registo cardíaco e com a dúvida se acompanhar este grupo nestas condições iria ser a minha sorte ou o meu azar”. Agora posso afirmar que foi sem dúvida, a melhor opção.
Pelo caminho ficaram bastantes horas de boa disposição e de imagens pouco comuns nos outros dias de pedaladas. Uma boa disposição generalizada nos vários grupos que iam ficando para trás. Partida completamente desorganizada, já eu estava a chegar à Comporta ainda iam carros com bikes para Tróia. À medida que nos aproximávamos da “frente da corrida” ou seja o primeiro grupo na estrada, quem era ultrapassado ia na nossa roda durante o tempo que aguentava. Estas imagem foram uma constante na via rápida antes de Sines, com a sensação de se ir na frente de um comboio de companheiros e respectivos carros de apoio. Gostaria muito de ter um pequeno vídeo das imagens de helicóptero desses momentos. .... mas as condições climáticas não possibilitaram o descolamento da aeronave .....
Até Sagres ainda me lembro da primeira paragem para o xixi da ordem, 3:00 após partir, em que o Joaquim disse “eu vou parar” e TODOS pararam, éramos já só 6, e respectivas comitivas. Ninguém se quis adiantar. Ao todo foram três os stop-xx e de três minutos no máximo. Vestidos com 5 kg de água era arriscado ficar muito tempo parado. Muito mais tarde fomos passados por um comboio de gente, aí uns 20, com as asfálticas a marcar o ritmo e muita gente na roda. Alguns eram dos duros do pedal de Algueirão, outros dos ADNTrilhos de Vendas Novas, NaturaTrilhos, o calcinhas brancas, etc. Disse-nos o companheiro da carrinha de apoio do Carlos, que os fulanos iam num autêntico comboio com rotação de 2 em 2 minutos. Prós e valentes.
Os últimos 50km foram marcados por muito muito vento. As várias subidas desta parte do percurso foram passadas sem dificuldades adicionais. Mas o agravamento das condições climáticas era notório. Até nas descidas se tinha que pedalar. Uma surpresa que tive foi o facto de ter feito quase 1400m de acumulado, quando só existem quatro montitos com cerca de 100 de ascensão. Talvez tenha sido da chuva e do vento, mas a sensação é de uma contínua subidita de Troia a Sagres, e eu a pensar que para sul a força da gravidade ajudava ...
A chegada a Sagres foi marcante. Aquela interminável recta de 8 km que me parecia ser sempre a subir e teoricamente é a descer, chuva miudinha a diminuir o campo de visão, muito muito vento de Sudoeste - quase de frente, não havia pontos de referência que se sentissem que estavam a ser ultrapassados. Estava a pedalar para Sagres mas sem sentir que estava a chegar, estranho e terrível. O fim estava já ali, mas tal como todo o dia não era agora que ia ser fácil. Ia-mos a 22-24 km/h, no passado anos eles passaram aqui a 60 !! Para distrair o Carlos disse: vou apanhar o velho, um dos de Setúbal com quem falei no barco e que tinha descolado de nós após ter vindo na roda 15km, pôs garra nas palavras e eu e Joaquim tivemos que aguentar. Acabar a 100%. Sempre gostei de terminar com força e em força. Reflecte um bom planeamento da jornada e uma gestão cuidada do esforço.
Cheguei a Sagres às 15:20, e não eram mais de vinte os que já lá tinham chegado a essa hora. Bicicletas eram muitas mas de pessoal que resolveu encurtar a tirada. Desde Sines que começaram a passar por nós, colocadas nas grades dos carros.
A pedalar foi das 7:20 às 15:20, com 3 curtíssimas paragens, uma média que foi dos 30 km/h inicias até aos 25 km/h globais, em 196,9 km.
Na memória fica a sensação de um enorme esforço, ao longo de quase 8 horas de muito adversas condições climáticas, mas com uma resposta sem igual em termos desportivos e atléticos. Nunca peladei tanto tempo num nível de esforço tão elevado assim como em condições tão adversas. Mas o balanço foi extremamente positivo.
Fiz o meu primeiro Tróia - Sagres, no ano mais difícil da sua história. E para o ano na 20ª edição espero igualmente lá estar, e ver por lá quem está a ler estas palavras !!!
Para trás ficaram várias histórias que nos iam ajudando a manter a boa disposição:
... agasalha-te bem querido, agasalha-te ...
... a pela das jamaicanas é tão macia ...
... o boquinhas que ficou com o pedal a desapertar quanto teve que puxar ...
... um ou dois fulanos coladinhos às carrinhas de apoio, ou não queriam ver a paisagem ou com corta vento ia-se melhor ...
... as nossas mulheres não se importam muito que a gente venha pedalar porque assim sabem o que estamos a fazer ...
.... e muitas outras ...
… Um grande muito obrigado para a minha Elsa. Para tornar possível este dia de pedaladas, a Elsa fez cerca de 800km. 5:30 Santarém – Setúbal – Santarém. 14:00 Santarém - Sagres – Santarém.
Encontrei estas palavras do António Malvar no seu artigo de 2005 intitulado “Tróia - Sagres um sucesso inexplicável” – “É assim o Tróia Sagres, algo que ultrapassa os convencionalismos, é uma manifestação espontânea de pessoas que movidos pela alegria de andar de bicicleta se submetem ao teste de saber se conseguem atingir essa Sagres distante, e que não vão nem por prémios nem por festa, alinham neste anti-organizado evento para se vencerem a si próprios e o seu único prémio é a visão da placa de Sagres à beira da estrada e a sua festa é interior e espelha-se nas lágrimas de alegria que escorrem dos seus rostos à chegada.”
E este ano de 2008, pela 1ª vez em 19 anos, o Homem que deu início, sozinho, a um "movimento" sem igual no panorama das bicicletas no nosso país, não cumpriu o seu objectivo.
Fica ainda a reportagem do Nuno Amaral da BTT-TV
João Almeida
Santarém, 14 de Dezembro de 2008
Como não tenho mais fotos, ficam aqui algumas ligações a outros blogs.
Vejam as fotos e as palavras elogiosas e de desepero que por lá estão... blogs
http://www.forumbtt.net/index.php?topic=48752.0
http://www.projectobtt.com/index.php?option=com_smf&Itemid=78&topic=10742.msg190206;boardseen#new
http://ac-trilhoseaventuras.blogspot.com/2008/12/xix-troia-sagres-loucura.html
3 comentários:
Um dia destes vão chover contratos para assinar no BTZ!!!!!!!!!!
Mais uma jornada épica do João Almeida, que continua sempre ao mais alto nível.
O João é o Suazo do BTZ Mação, um grande reforço para o clube.
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