segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A minha primeira Estrela na Estrela


Serra da Estrela, 6 de Setembro de 2008


Já desde 2001 que um dos "gurus" do BTT em Portugal, o António Malvar, faz uma proposta para um dia épico de pedaladas. Neste caso no primeiro sábado de Setembro pela Serra da Estrela, realizando as 3 mais importantes subidas ao seu topo pelo trilho negro, formando uma estrela de três pontas, e daí designação de Estrela na Estrela.

O percurso normal tem partida na Covilhã, subida até Piornos, descida para Manteigas, seguindo-se a subida até à torre (cruzamento), descida para Seia, subida até aos 1993 m na TORRE e retorno ao local de início.



O António Malvar descreveu da seguinte forma o percurso:

“Para o ano lá estaremos no 1º sábado de Setembro para subir à Torre partindo das Penhas da Saúde mas com 3 "ligeiros" enganos de navegação. Passo a explicar: Logo à saída do hotel Serra da Estrela viramos à direita e só damos pelo facto que deveríamos virar à esquerda quando chegamos à Praça da Câmara Municipal na Covilhã. Conclusão subimos tudo para trás. Passamos de novo pelas Penhas da Saúde e quando chegamos a Piornos enganamo-nos pela 2ª vez, ou seja viramos à direita e mais uma vez só detectamos que estamos errados quando entramos em Manteigas. Depois de alguma discussão sobre por onde seguir lá decidimos voltar tudo para trás até ao cruzamento onde nos tínhamos enganado e aí sim seguir na direcção da Torre. Estamos mesmo a chegar à Torre, já no alto da serra e eis que voltamo-nos a enganar e de novo virando à direita quando deveríamos virar à esquerda. Conclusão descemos tudo até Seia, pasme-se 30 Kms mais abaixo, e só aí decidimos parar por estarmos a sentir que estávamos enganados. Conformados com a nossa pouca sorte lá vamos tudo para trás a subir em direcção à Serra outra vez, passamos o Sabugueiro a Lagoa Comprida e finalmente quase 3 horas depois de sair de Seia lá estamos nós de novo no tal cruzamento que desta vez não falhamos e cheios de alegria e quase lágrimas nos olhos lá chegamos à Torre a 2000 metros de altitude, exaustos mas felizes por termos conseguido acertar finalmente.
Um grande abraço a todos
Antonio Malvar”

Esta fantástica descrição e a boa disposição que contem foi um sinal revelador do espírito que se pode e deve manter ao longo desta aventura, a qual é fundamental para terminar com um sorriso e talvez vontade de voltar noutro ano. O desafio propriamente dito é por um lado o desnível acumulado e distâncias crescentes a vencer em cada vertente, ao qual se junta o instável tempo na montanha. Neste ano de 2008, passei por parte do percurso na véspera da sua realização e estava impraticável, com chuva, vento e nevoeiro muito denso. Cheguei a convencer-me que os dois meses de sonho não passariam disso mesmo. Felizmente que o S. Pedro me presenteou com um dia bonito e condições quase perfeitas para a realização deste desafio. Sol, tempo limpo para se apreciar a grandeza desta serra, ausência de vento e temperaturas entre 14º na Covilhã, 20º em Seia e de 8°C à chegada final à Torre.


Bonito amanhecer.


Quando o despertador tocou às 7:30, vislumbrei uns raios de sol. Fui até à janela e o dia prometia um tempo agradável. Foi só nessa altura que dei por certa a companhia para este dia, após ver uma rodas no interior de uma carrinha monovolume. Uns minutos mais tarde e eis que aparecem dois ciclistas no parque de estacionamento a sentir o frio daquela hora e a contemplar a montanha.

Após montar a minha Bianchi 1885, fui ter com eles à sala de pequeno almoço, fiquei a saber que eram de Évora, que o percurso previsto seria um treino entre duas provas do campeonato nacional de maratonas em BTT no qual participam, que haveria mais ciclistas à hora da partida e reconheci o Filipe Salvado (3º no Serpa 160). Entretanto apareceram o Cláudio e outro companheiro.

Saímos os cinco do Hotel Serra da Estrela às 9:19 nas Penhas da Saúde em direcção à Covilhã. Tentar aquecer pelo caminho foi impossível devido ao marcado desnível e aos muitos ganchos desenhados pela estrada nesta acentuada vertente da Serra. Chegados ao centro da Covilhã, outros cinco nos esperavam, vários triatletas, e após breves minutos de cumprimentos, com a confirmada ausência do António Malvar, coube ao Fernando Carmo, o mais antigo nesta aventura, dar a voz de partida.

A saída da Praça do Município em direcção às Penhas da Saúde, ofereceu-nos uma sucessão de rampas com inclinações crescentes, 6%, 8%, com as pendentes mais acentuadas, na zona da Estalagem Varanda dos Carqueijais e do antigo sanatório, 10% e 12%. Por essa altura o reduzido grupo inicial, já se apresentava desfeito, com os de Évora em maior ritmo, o Fernando Carmo na linha deles, um grupo intermédio de 4, eu e outro (o qual apenas fez duas subidas, sem bluf !!) e por fim o cauteloso Rui Casaleiro com a Epic e pneus de todo o terreno. Eu já tinha lido e relido os escassos comentários que existem na net sobre a "Estrela na Estrela" e as descrições destes 600m de desnível iniciais. Desde que encarei este desafio nunca pensei em desistir, mas ao efectuar aqueles ganchos, com o coração teimosamente a 184 bpm, temi por um único e breve instante que não teria, ainda, capacidade física para vencer a montanha das montanhas de Portugal Continental. Numa dessas curvas, quando ainda acompanhava o grupo de 4, um colega mais experiente também se surpreendia com o facto de já ir a 180 bpm. Decidi abrandar dos vertiginosos 8 km/h para tentar fazer baixar o pulso porque só tínhamos partido à 6 km e ainda faltavam 3600m de desnível para vencer. Fui apanhado por outro que já tinha descolado, segui umas curvas na roda dele e quando se estava a revelar impossível baixar a pulsação, surgiu instantaneamente uma vontade daquelas à qual é melhor responder parado, à qual acedi prontamente, e pensei, 3 coelhos de uma cajadada: fico aliviado, perco a roda do da frente (decisão sempre muito difícil de tomar) e confirmo se o coração não ficou agarrado nas 180 bpm.

Sozinho e já com as Penhas da Saúde na mira, abrandam as grandes dificuldades, deu para ver o espaço criado até aos grupos da frente, nada por aí além, tendo em conta o seu ritmo e a minha determinada gestão de recursos. Ao passar pelo Hotel aproveito para deixar as luvas, recebo incentivos dos meus meninos e sigo para a roda do Rui Casaleiro que não tinha acompanhado o ritmo das asfálticas, mas entretanto tinha chegado. A partir daqui as inclinações reduzem-se, fiquei a saber que o Casaleiro já tinha efectuado esta estrela em 2007 e que estava determinado em repetir novamente as três subidas agora em 2008. Após o violento impacto inicial, tomei a sua disposição e confiança como um tónico de garantia, nesta fase senti verdadeiramente que iria conseguir realizar este desafio com sucesso. O que estava pela frente foi sempre feito na companhia deste BTTista de Leiria, mesmo tendo que esperar pela sandes e mini no Sabugueiro e pela reparação do furo antes de Seia. Era com a certeza e confiança que valia mais uma roda ligeiramente mais lenta (eram uns pneus 2.1 de btt ?!?!), mas com ritmo, assistência ao longo da estrada e determinada em acabar, que alguma tendência em acabar sozinho com uns magros minutos de vantagem. Este companheiro apresentou-se ao início com esta configuração porque está a cumprir um plano de treinos com vista ao Geo-Raid, onde vai ter dificuldades de desnível total na serra da Lousã em Btt, superiores aos aqui experimentados, razão apontada para a Tarmac ficar na garagem.

Com a troca de palavras chega-se com relativa facilidade a Piornos. Ficaram para trás 13,3 km e 923 m de desnível ao longo 1:10h. Voltámos de imediato à direita para embalar até Manteigas, com o sorriso da PRIMEIRA já estar feita e de quanto é bom descer, depois de subir, apesar do frio. A estrada tem um piso razoável e é agradável a entrada naquele vale glaciar, onde nasce o Zêzere, pela longa recta na qual os travões poucas vezes são chamados, até se chegar ao Viveiro das Trutas, após 17 minutos de descida. Entra-se em Manteigas e ao chegar ao ponto de retorno, estão os restantes 8 atletas a prepararem-se para recomeçar. Afinal não estávamos muito atrasados, até podíamos ter feito a subida com eles, mas um cafezinho era o que vinha a calhar.

Iniciou-se a segunda subida do dia e a segunda mais longa com umas rampas inicias de maior declive, para depois serem mantidos uns constantes e agradáveis 5% a 6% de inclinação até ao centro de limpeza de neves. Por diversos momentos reduzimos o ritmo já a pensar na última do dia e até deu para conversar com um grupo de ciclistas que tinham vindo da República Checa (de autocarro), estavam a ir para Bragança para depois descerem até Sagres. São os ecos do TransPortugal além fronteiras, da sua dificuldade física e facilidade de viajar deste modo neste país.

A segunda secção da segunda subida, Piornos-Torre, ofereceu paisagens deslumbrantes, como o contorno do planalto na Nave de Stº António e longas rectas com uma inclinação mais agressiva de 8% a 10% que se avistam com alguns km de distância. O Casaleiro segue na minha roda, passámos um colega que tinha ficado sem forças, e já quase no cruzamento para Seia, quando aproveitamos para encher os bidons na fonte em frente à Santa, chegam outros dois mas já a descer. Para estes triatletas o dia estava feito, eram apenas duas as subidas prometidas e já cumpridas, sem bluf, dizia um deles. Creio que esta era uma boca à sua anterior participação, marcada por constantes ataques, mas por quem não iria realizar a derradeira subida, Seia-Torre. Mais umas vez deu para ver que o atraso não era grande e que a lei era manter o ritmo e o pulso certo.

Na chegada à Rotunda da Torre não efectuámos o desvio até ao marco geodésica. Iniciámos a descida para Seia a grande velocidade. A descida até à Lagoa Comprida é simplesmente fantástica. Começa com longas rectas de declive não muito acentuado que terminam em pequenas subidas que se vencem facilmente com a velocidade entretanto atingida. O declive vai aumentando ao longo da descida até ao Sabugueiro, o que pronunciava muita dificuldade no retorno. Mas a satisfação de já ter vencido DUAS das TRÊS subidas do dia, e o gozo daquelas descidas eram um tónico e uma garantia de que as forças para regressar de Seia não iriam faltar.

No Sabugueiro houve uma longa paragem para almoço com as famílias, eu por mim seguia logo após um café, mas... Já com Seia à vista a Epic com pneu de BTT furou no alcatrão (???), líquido anti-furo seco (parecia um ninho de ratos quando se abriu o pneu), sacar roda, meter câmara de ar ...

Antes do furo, já na descida para Seia, passou por nós o primeiro atleta que já estava a iniciar a subida, ía sozinho. Quando estávamos parados passa o pessoal de Évora e depois o Cláudio e o Fernando. O ritmo deles também era descontraído, com respeito às dificuldades gerais do dia e à Última que tinha acabado de começar. Pelo que tinha lido e visto, esta terceira subida seria a mais difícil, por várias razões: era a 3ª do dia, a mais longa, a de maior desnível a vencer e a que apresentava a maior extensão de rampas com inclinações de 10% e superiores.

Chegados a Seia, meia volta e vamos embora que já tínhamos saudades (-:)) de subir, nem parámos. A saída de Seia é muito má, muito mesmo. 10% de inclinação, péssimo piso, curvas e ganchos. O Casaleiro ficou logo no elástico aí a uns trinta metros. Entre a saída de Seia e a da Covilhã, venha o diabo ou o homem da marreta, e escolha. Mas com a relação 39/29 lá se venceram mais 600m de desnível até às bombas de gasolina, sentadinho e com o coração nos 175 bpm. Esperei pelo Casaleiro e fomos com a descontracção possível até ao Sabugueiro.

Após a ponte no final da aldeia, segunda secção da terceira subida. Sinais de 10% de inclinação são muitos, nomes de ciclistas profissionais escritos no asfalto e nas pedras que ladeiam a estrada, porque será? A sensação geral de que este desafio seria vencido ia crescendo a cada pedalada. Lembro-me que a partir desta zona quando passava pela minha família, sorria e erguia TRÊS dedos da mão direita. A restante subida até às pistas de neve foi feita de forma tranquila, nos 165-175 bpm, sempre com força mas com respeito pelo coração e pela ciência (limiar anaeróbio, blá blá blá..). Aqui e ali esperei pelo Casaleiro que cada vez mais precisava de um elástico maior e que quando me apanhava não se cansava de dizer "Oh João, não te passa o esforço que é fazer isto com estes pneus, tu nas rectas vais embalado e eu tenho que pedalar".

Sigo sozinho pelas rectas finais, alcanço a estância de ski, viro à direita e desta vez, sem enganos, a Torre de pedra era o meu destino. A última recta, uma dificuldade superior à inclinação discernível visualmente, seria do ar rarefeito ou da emoção de concretizar este desafio. A força que nunca faltou ditou a sua lei !!


Quatro anos após comprar a minha BIANCHI, deixei a bomba da asma ficar no bolso e ganhei este desafio.

A emoção tinha a sua razão de ser.!!

Onde estão os flashs?


EU FIZ UMA ESTRELA NA ESTRELA.


A satisfação de chegar ao dito sítio...


Chegar ao topo de Portugal Continental, após vencer de forma consecutiva estas três vertentes da Serra da Estrela é provavelmente o maior desafio de cicloturismo que se realiza em Portugal. Lance Armstrong disse em determinada altura que: "...I did not do it for the pleasure, I did it for the pain...". Mas neste dia eu não subscrevi estas palavras. Não sofri nada de especial e a sensação de satisfação ia crescendo ao ritmo que as rampas iam ficando para trás. Foi um dia em cheio, acreditem !


Concluí o dia com o regresso de bicicleta até às Penhas da Saúde para desfrutar das descidas e das belas paisagens desta serra que eu fiquei a adorar. E esta parte do percurso também me surpreendeu, encontrei aqui a derradeira subida mas a mais fácil de fazer deste longo dia, depois da Nave de Stº António até ao centro de limpeza de neves, 18-20 km/h. Um dia de força a acabar em força!

Dos 10 atletas que partiram creio que 7 completaram o desafio das 3 subidas, mas dou os parabéns a todos os que por lá andaram. Tal como disse o Fernando Carmo, em termos de balanço final posso também dizer que foi cumprida com sucesso e alguma facilidade.



Alguns números:

Desnível acumulado 3970m

Distância total: 124,2 km

Tempo a pedalar: 6:56:19

Tempo total: 8:29:45

Velocidade média: 17,9 km/h

Calorias consumidas: 6399






1ª Descida Penhas da Saúde - Covilhã: 10,2 km; 39,6 km/h; 0:15 h; -800 m ; -7,8%; 105 bpm; 14ºC

1ª Subida Covilhã - Piornos: 13,3 km; 11,3 km/h; 1:10 h; +923 m ; +6,9%; 170 bpm; 12ºC

2ª Descida Piornos - Manteigas: 14,0 km; 36,2 km/h; 0:23 h; -825 m ; -5,8%; 119 bpm; 17ºC

2ª Subida Manteigas - Torre (cruzam.): 20,5 km; 12,4 km/h; 1:39 h; +1199 m , +5,6%; 158 bpm; 14ºC

3ª Descida Torre - Seia: 27,4 km; 35,2 km/h; 0:46 h; -1390 m , -5,1%; 115 bpm; 20ºC

3ª Subida Seia - Torre: 28,4 km; 12,0 km/h; 2:21 h; +1594 m , +5,1%; 161 bpm; 8ºC

4ª Descida Torre - Penhas da Saúde: 10,6 km; 39,6 km/h; 0:17 h; -503 m , -4,7%; 121 bpm; 12ºC









Perfis de altitude desta brincadeira. Reparem na extensão crescente das subidas. A mais longa no Fim.!


Gostaria de agradecer e dedicar o sucesso nesta aventura à minha Elsa e de uma forma particular aos meus filhos, João Tiago e Joaninha. Sem a vossa presença isto tinha sido muito menos divertido. Meninos, eu sei que não se vão esquecer deste dia! Gostaria que se lembrassem deste passeio que o pai fez como um exemplo de determinação, com respeito pelo desafio que se enfrenta mas com muita garra e convicção de vencer, para no final, se dizer a sorrir: eu consegui fazer uma Estrela na Estrela. (... o meu Joãozinho já vai dizendo que também vai conseguir, eu acredito e vou lá estar, garanto!).


Umas palavras também para os companheiros dos outros dias.

Ao Tiago Nunes e ao João Nunes que me acompanharam no sábado anterior na primeira das duas voltas de 100km planos da estrela “Santarém - Coruche - Salvaterra - Santarém", e que ficou para eles como recordes pessoais. Núcleo duro do Scalabis-Pro Team e as desencontradas férias e ciclos de treinos em época estival: Nuno Lima, Bri, Pedro Melo, Rui Gomes, havemos todos de fazer esta Estrela, um ano destes, por mim está feita a promessa. Por fim aquela palavra para o João Canas, que encarou fazer este desafio, disse: "sou homem para isso", com o qual treinei nos belos trilhos de Mação, e que só não compareceu porque estava a vencer outro enorme, a Grande Rota das Aldeias Históricas - GR22. Mas, após ambos acabarmos, ficou a promessa de se efectuar uma Estrela na Estrela, e talvez com QUATRO vértices, Covilhã, Manteigas, Seia e Vide. Para realizar esta última ponta, quando se vem do Sabugueiro, passa-se a Lagoa Comprida e já com 3500m de desnível vencidos, com as enormes bolas das torres como miragem, “enganamo-nos” e vira-se à direita por uma estrada nova que nos conduz vertiginosamente por uma vertente bonita e arborizada, com óptimo piso e enorme sinalização vertical a indicar 12%, 14%, 10% 14% de inclinação, até aos 700m de altitude, voltar para trás e subir de vez até à torre de pedra.


João.Almeida

Santarém, Setembro de 2008



Uma última palavra: Todo o ciclista, seja com BTT ou asfáltica, sentirá uma enorme sensação de conquista ao vencer este percurso. Não deixem de tentar !!


Fica a promessa de em breve aparecer por aqui o registo fotográfico efectuado.

Por agora podem espreitar no Google Maps por onde andei:



terça-feira, 23 de setembro de 2008

O Balanço Final da Grande Rota das Aldeias Históricas

Citando César Pavese: "We do not remember days, we remember moments"

Desta Grande Rota das Aldeias Históricas ficarão muitos momentos inesquecíveis.
Muitos deles foram revividos à medida que escrevi estas crónicas, que procuraram transmitir-vos os bons momentos pelos quais passámos ao longo dos 7 dias que durou esta grande aventura.
Também houve maus momentos, em que nos questionamos sobre o porquê de tentarmos testar os nossos limites, de nos colocarmos à prova. Talvez tenha sido essa a derradeira razão para ter participado na Grande Rota das Aldeias Históricas.
Mas esses momentos não são para partilhar, pelo menos com vocês.


Foi uma semana inesquecível, e se alguém tiver dúvidas sobre embarcar nesta aventura que a A2Z Adventures nos proporciona, apenas posso dizer que não se vão arrepender.
Para alem do que indiquei acima, terão a possibilidade de conhecer uma parte do nosso país, tanta vez esquecida, negligenciada e pouco conhecida.

Mas que tem locais magníficos, paisagens fabulosas, gentes hospitaleiras e trilhos inesquecíveis, que vos procurei dar a conhecer através das muitas fotos que ilustram as crónicas.

Como de costume, ficam os agradecimentos finais.
Para o pessoal da A2Z Adventures, que durante uma semana nos aturaram e trataram de nós.
Para o Pedro Carvalho, o Pedro Pedrosa, a Filipa, o Nuno e o Tiago o meu obrigado e foi um prazer ter-vos conhecido.

Espero no futuro poder participar em organizações vossas.

Para os participantes que comigo pedalaram nesta aventura fica também o meu agradecimento e reconhecimento, principalmente ao Sérgio, que aceitou mais um desafio e ao Ricardo.
Mas também ao Raphael, ao Miguel, ao Gonçalo (e o seu Biofreeze) e ao Nuno, que nos acompanharam durante alguns dias.

Uma palavra de agradecimento também para todos aqueles que contribuíram para a minha participação na Grande Rota das Aldeias Históricas, e para quem ao longo dos dias me incentivou através de telefonemas e mensagens.

Finalmente gostava de partilhar convosco, aquele que para mim é dos momentos mais marcantes daquela semana.
Na passagem pela aldeia de Castelo Mendo, o Pedro Carvalho começou a conversar com um velhote que, com a sua esposa, estavam a sentados junto às muralhas da aldeia, e lhes explicou o que andávamos a fazer.
O velhote ficou muito admirado e não entendia, a razão pela qual para além de não recebermos dinheiro, ainda pagávamos para andar a dar cabo das pernas...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Dia 7 – 6 de Setembro de 2008 – Piódão – Castelo Novo

88 km’s com 2.800 metros de desnível acumulado

O electrocardiograma final

O título desta etapa deve-se essencialmente ao facto de o gráfico de altimetria se assemelhar a um electrocardiograma, pois era um sobe e desce constante.
O desnível acumulado voltava a ser grande, com uma distância também significativa.

Na véspera, as previsões meteorológicas indicavam que não choveria, e que o tempo apresentaria melhorias significativas ao longo do dia.
Esta foi uma boa notícia, pois fazer as duas etapas mais difíceis de toda a Grande Rota com mau tempo seria complicar ainda mais o que já era bastante difícil.
A saída de Piódão

Pela manhã, o sol começava finalmente a vencer as nuvens, no meio das quais ainda pedalámos durante algum tempo.
Os primeiros 5 km’s eram a subir, quase até ao topo da Serra do Açor, nos 1.150 metros de altitude.

Pedro Pedrosa, o nosso guia com a Serra da Estrela em fundo

Parte dessa subida foi efectuada em alcatrão, não sendo por isso mais fácil.
Antes de descermos em alcatrão para a aldeia da Fórnea, percorremos alguns estradões que fizeram parte das antigas classificativas de Arganil do Rallye de Portugal.


O Pedro Pedrosa e o Sérgio em plena subida

O Ricardo, numa das fases mais complicadas da subida inicial

Depois de passarmos pelo Rio Ceira, que nasce nesta zona, começámos a subir na aldeia da Covanca, em alcatrão até uma nova zona de eólicas, de onde descemos a grande velocidade para a aldeia de Meãs onde era o primeiro abastecimento.

O Ricardo, aqui com um semblante mais feliz. Mal ele sabia o que ainda faltava para o final
O início da descida para a aldeia de Meãs

Esta descida teve duas partes, uma em trilho que foi espectacular, e outra parte em alcatrão, onde apanhei um grande susto, pois alcançámos velocidades superiores a 60 km/h, e numa curva mais apertada ainda andei um bocado na berma.
Por pouco, com uma distracção não colocava em causa a GR22.


Em Meãs começava mais uma longa subida, de cerca de 8 km’s, sem grandes inclinações, parte efectuada em alcatrão e parte em trilho. Passámos junto a São Jorge da Beira e na zona das Minas da Panasqueira.

As minas da Panasqueira em fundo

A seguir a uma subida, vem sempre uma descida, sendo que esta também tinha cerca de 8 km’s, até Dornelas do Zêzere, sendo parte em alcatrão e parte em trilho. Simplesmente espectacular, em estradões que permitiam abusar à vontade e com curvas encadeadas.
No final da descida até me doíam as mãos de tanto travar.

O almoço decorreu no Café/Discoteca Pérola do Zêzere e foi cortesia da Junta de Freguesia desta aldeia.


A esposa do Presidente da Junta em conversa connosco perguntou para onde seguiríamos a partir dali, e ficou surpresa quando o Pedro Pedrosa lhe falou na zona das eólicas. Ainda mais quando ele lhe disse que não era por alcatrão, mas sim por trilho, ao que ela classificou essa subida de velhaca.
Deu para nos rirmos um bocado.
Mal sabíamos nós o que nos esperava.

A passagem do Zêzere foi bastante porreira, mas logo a seguir começava a subida “velhaca”.

A passagem do Rio Zêzere

O Rio Zêzere

O início da subida "velhaca"

O início da subida era bastante suave, sem grandes dificuldades, mas após um pequeno troço em alcatrão, tínhamos um estradão, quase sempre a direito, ladeado por pinheiros, e com uma inclinação significativa, onde não se via o final.

O Rio Zêzere em fundo, na subida "velhaca"

Finalmente tínhamos percebido o conceito de velhaca, e já não nos rimos nada.

A minha parte preferida da subida "velhaca", um autêntico empeno

Depois de cruzarmos a estrada de alcatrão, entrávamos numa zona de eólicas numa cumeada, sempre a subir.

No final, foram cerca de 8 km’s a subir.

No alto do monte, com a Serra da Estrela envolta em núvens

Depois de uma descida vertiginosa, num eucaliptal, voltámos ao alcatrão e a subir, com a Serra da Estrela como pano de fundo, até entrarmos em nova cumeada, já em estradão.

Essa cumeada, com cerca de 10 km’s, que começava a subir para novo parque eólico, foi memorável, pois a partir daí, já com a Cova da Beira e Serra da Gardunha à vista, tivemos descidas rápidas e algumas subidas íngremes, sempre em bom piso.

Aspecto da cumeada que teríamos de efectuar

Vista sobre a Cova da Beira

A parte final da última cumeada

Eu, no início da descida para Partida

O Pedro Pedrosa e a Serra da Estrela, no início da descida para Partida

No final da cumeada, nova descida, com quase 6 km’s para a aldeia de Partida.
Foi mais uma descida espectacular, muito rápida, com algumas curvas complicadas.
Ao chegarmos à aldeia tivemos o último abastecimento e seguimos para aquilo que seria um final de etapa bem mais calmo, mas ainda faltavam um pouco mais de 20 km’s.

É de meter as mãos à cabeça. Ainda bem que faltava pouco.

Até o Sérgio, depois de evidenciar um andamento fortíssimo, já não sabia como estar


Até ao final, ainda tivemos uma subida muito curta, mas muito inclinada, antes de chegar a São Vicente da Beira.

O último empeno antes do final

Depois desta aldeia, foi apenas rolar até ao final, com passagem pelo Louriçal do Campo.
Finalmente estávamos em Castelo Novo, completando assim a Grande Rota das Aldeias Históricas.

Momento do dia:

A foto final do grupo, da esquerda para a direita: Filipa, Nuno, Ricardo, João, Sérgio, Pedro Pedrosa e Tiago.

Com esta última crónica dou por encerrado o relato da Grande Rota das Aldeias Históricas, ficando apenas a faltar um pequeno balanço da participação nesta aventura.

Nesse mesmo dia, o João Almeida completou com sucesso uma grande aventura, que é efectuar a Estrela na Estrela, que corresponde a efectuar as três principais subidas da Serra da Estrela de forma consecutiva.
Um grande feito, que será também ele relatado no blog.
Gostava aqui de deixar os parabéns ao João.

Dia 6 – 5 de Setembro de 2008 – Linhares da Beira - Piódão

77 km’s com 3.476 metros de desnível acumulado (sim 3.476)

A etapa rainha da Grande Rota das Aldeias Históricas

No dia anterior esta etapa estava já presente no subconsciente.
A razão era muito simples, nunca tinha feito um acumulado tão elevado numa volta de btt, nem tinha subido a Serra da Estrela de bike.

A viagem de Celorico de Beira para Linhares serviu para quebrar o nervosismo e depois dos últimos preparativos, iniciámos a jornada, que prometia ser longa.
Felizmente não chovia, embora lá em cima na Serra, as nuvens prometessem qualquer coisa.

Os primeiros 3 km’s foram a descer, não pela calçada do dia anterior, mas em estradão e em direcção à zona da Serra da Estrela.


Vista sobre Linhares da Beira na ascensão da Serra da Estrela

A longa ascensão começou de forma relativamente suave, em estradão, até às antigas minas de volfrâmio dos Azibrais, onde já levávamos cerca de 4 km’s de subida.

Vista sobre a zona de Linhares da Beira

A seguir à zona das minas, tivemos algumas rampas mais inclinadas e com um piso mais complicado, com alguma pedra e areia solta.

Pedro Pedrosa e Sérgio na ascensão à Serra da Estrela

Uma pequena pausa para foto, com o jersey do BTZ a brilhar

A paisagem que se podia desfrutar à medida que se ia subindo era muito bonita, embora para o lado da Serra da Estrela as nuvens limitassem bastante o horizonte.
Depois de cerca de 13 km’s de subida, entrámos num pequeno planalto sobre a aldeia do Folgosinho, onde pudemos recuperar o fôlego.

Vista sobre a aldeia de Folgosinho

Foi uma zona muito porreira, pois não íamos a subir, e ainda pedalámos em zonas bastante arborizadas (com pinheiros e carvalhos).


No entanto, ainda faltava alcançar a linha de cumeada da Santinha, pelo que ainda tínhamos de subir mais cerca de 300 metros de desnível, em cerca de 3 km’s.

A Santinha ficava lá em cima, para ter a noção do que faltava subir

Esta última secção da subida era brutal, pois iniciávamos a subida em estradão rodeado de árvores, com uma inclinação apreciável e com um piso muito técnico, com regos provocados pela água e alguma pedra e terra solta.

A subida final para a Santinha

À medida que nos aproximávamos dos 1.600 metros de altitude, a vegetação ia sendo cada vez mais escassa e o tempo ia piorando, dado fazia um vento bastante forte.

Mais um aspecto da subida à Santinha

Numa das últimas curvas, fizemos uma pequena pausa para agrupar o pelotão de 4 elementos, pois a partir dali não havia qualquer árvore ou vegetação que nos protegesse.
Esse troço final foi bastante difícil de vencer, principalmente pelo vento que se fazia sentir. Por isso mesmo a satisfação foi maior, quando alcançámos a zona da Santinha (a fazer lembrar a zona do Posto de Vigia do Bando de Santos).

O Ricardo chegando ao alto da Santinha

A vista no alto da Santinha, limitada pelas núvens

Depois de quase 17km’s a subir entrámos numa parte espectacular da etapa, pois rolámos numa cumeada de aspecto inóspito, com um vento forte e onde efectuámos algumas descidas e subidas muito porreiras (estas últimas por serem mais curtas).

O início da longa cumeada da Santinha

Na zona da cumeada da Santinha

Mais uma descida na cumeada da Santinha

O almoço já não estava longe, na barragem do Vale do Rossim, que fica perto da estrada de Manteigas para Seia e Gouveia.

A Barragem do Rossim

Perto do final do almoço, que desta vez foi reforçadíssimo e cortesia da A2Z Adventures, começou a chover, aumentando progressivamente de intensidade.
O percurso nesta fase decorreu em zonas mais ou menos planas e com muita brita solta, o que por vezes dificultava a vida, pois a aderência não era a melhor.

A caminho da 2ª barragem do dia

Vista para o Vale do Sabugueiro

A 2ª barragem, já sob chuva forte e vento

À passagem por mais uma barragem, começou a chover de forma bastante intensa, o que associado ao vento e nevoeiro tornavam as condições atmosféricas muito difíceis para pedalar.
Depois da barragem efectuámos um pequeno pedestre, dado que a vegetação rasteira não permitia pedalar e entrámos novamente num estradão ao longo de uma levada de água que nos levaria até à estrada de Seia para a Torre.

Vista sobre o vale do Sabugueiro

Nessa zona era possível vislumbrar a aldeia do Sabugueiro, que ficava numa encosta da Serra do outro lado de um vale brutal. Pena foi que o tempo não permitisse desfrutar da paisagem.

A aldeia de Sabugueiro ao fundo


Com a chegada à estrada Seia/Torre iniciámos a subida para a Lagoa Comprida em alcatrão. A chuva era agora torrencial, o nevoeiro era mais fechado e o vento continuava fortíssimo. Foi com esse cocktail atmosférico que enfrentámos a subida, sendo que após uma pequena paragem para tirar uma foto, fiquei sozinho, pois o Sérgio e o Pedro Pedrosa continuaram e o Ricardo vinha mais atrás.

Na subida para a Lagoa Comprida, parece os Lagos de Covadonga

Foi surreal alcançar a Lagoa Comprida nessas condições.
Depois de uma pequena pausa, junto da carrinha da A2Z Adventures, eu e o Sérgio iniciámos a descida para Vide, em alcatrão, enquanto que o Pedro Pedrosa esperou pelo Ricardo.

A última foto do dia, já sob a intempérie

Apesar de ser em grande parte em alcatrão, foi das descidas mais complicadas que fiz, pois o vento e a chuva quase nos obrigavam a descer de olhos fechados, em troços com cerca de 11% a 12% de inclinação.
No final da parte em alcatrão, já tremia de frio, e se a descida continuasse durante muito mais tempo, acho que entrava em hipotermia.
Deve ter sido uma das poucas vezes em que gostei de deixar de descer para poder recomeçar a pedalar.

Voltámos a entrar em trilho, em zona de pinhal, quase sempre a descer, mas já com algumas zonas mais planas onde era necessário dar ao pedal.
Nesta fase de descida para Vide, efectuámos duas descidas espectaculares. Espectaculares, porque entretanto tinha deixado de chover e o nevoeiro tinha começado a levantar, deixando ver um pouco mais da paisagem, pois a zona de transição da Serra da Estrela para a Serra do Açor é brutal, com uma envolvente de pinhal (a fazer lembrar o antigamente de Mação).
O piso era com muita pedra, e o xisto apesar de molhado não estava muito escorregadio, o que permitia descer com velocidade, permitindo desfrutar ao máximo.
Depois dessas duas descidas chegámos a Vide, onde efectuámos uma paragem para abastecimento.

O Pedro Pedrosa disse então, que até ao final da etapa, cerca de 15 km’s, não teríamos a hipótese de ter acesso à carrinha, e que faltava subir a “parede”, o que em termos de acumulado representava cerca de 700 metros de desnível acumulado.

Um Homem dos Bandos não se nega a este tipo de desafios, pelo que apenas questionei onde é que estava essa “parede”, para a gente a subir.
O grupo reduzido agora a três unidades, seguiu caminho, iniciando a subida final de forma bastante suave, com o Sérgio à frente.
Quando já me perguntava onde estaria a temível “parede”, começo a vislumbrar, no meio da réstia do nevoeiro um corta-fogo, com uma inclinação brutal.
Quando eu e o Pedro Pedrosa chegámos ao início do corta-fogo, andava o Sérgio às voltinhas, e a dizer que andava a ver se o GPS indicava que o caminho correcto seria outro que não o do corta-fogo.
Ao fim de meia dúzia de metros desistimos, pois a inclinação era grande e a aderência não era a melhor, com alguma pedra solta e molhada.
O Pedro Pedrosa ainda conseguiu subir grande parte da subida na bike, cantando, para aumentar o moral das tropas, sendo que eu e o Sérgio lá seguimos em pedestre, mas sempre sem desistir.
Quanto à subida em si, o único comentário que faço é de que equivale a três subidas do presunto do Bando de Codes em termos de distância.
A inclinação é relativamente semelhante, e o piso tem maior aderência, mas a distância é o factor crítico. Ao que consta, no ano passado o campeão nacional de ORI-BTT conseguiu subir quase toda a subida montado, que é um feito único garanto-vos.

Depois da parte mais inclinada, já conseguimos seguir nas bikes, sendo que os últimos km’s foram já em descida ligeira, para a estalagem do INATEL do Piódão, onde pudemos vislumbrar algumas aldeias perdidas nos vales daquela região.

O Piódão é uma aldeia histórica diferente de todas as outras, pois não se situa no topo de um monte ou serra, fica numa zona onde predomina o xisto, em vez do granito.
No entanto, é uma aldeia espectacular, perdida num vale da Serra do Açor.

A visão do Piódão representou o sentido de missão cumprida, naquela que foi a etapa de btt mais difícil e complicada que fiz na vida.
Tive apenas pena de as condições atmosféricas não terem permitido desfrutar inteiramente das paisagens desta etapa, embora a tenham tornado mais épica.

Assim, gostava de lançar o desafio a todos os membros do BTZ e amigos para que para o ano, seja feita uma repetição da etapa, caso as condições atmosféricas sejam propícias a isso.

Penso que a partir desta data, qualquer outra volta de btt que faça, terá sempre uma dificuldade relativa, quando comparada com esta.
E também terei sempre uma perspectiva diferente sobre a rapaziada que anda por aí a afirmar que: “ah e tal, fazemos voltas muito duras e rijas…”.


Momento do dia:

Na descida da Lagoa Comprida para Vide, no meio de um vendaval, o Pedro Pedrosa resolve seguir por um trilho, abandonando a descida em alcatrão.
No início desse estradão estava um carro parado, com vidros embaciados, e uma grande confusão de pernas. O amor é lindo...